Fotografia e história

Valdecir Ribeiro
Texto: Fotografia e história
Autora: Ana Maria Mauad

MINHAS CONSIDERAÇÕES

Tudo começou com rudimentares inscrições. Desde os tempos das cavernas, o homem vem registrando e perpetuando sua história com imagens. Primeiro foi com o desenho, depois veio a pintura seguida da fotografia e do cinema; como relata LIMA (1988) se referindo a essas artes:

[...] a imagem criada pelo homem surgiu através do desenho. A origem do desenho praticamente coincide com a origem do homem. Os habitantes das cavernas já cobriam suas paredes com traços do que lhes era mais significativo [...];

[...] tanto a escrita como o desenho e a pintura surgiram como atividades manuais, artesanais: as mãos agem diretamente sobre a criação. A invenção da imprensa generalizou a escrita como a forma mais corrente de comunicação e expressão; o seu desenvolvimento incorporou sucessivamente o desenho, a gravura e a fotografia [...];

[...] na fotografia, a imagem é obtida através de uma seqüência de atividades mecânicas – a tomada da imagem – e artesanais – a revelação do filme e a ampliação da imagem; a primeira conta com a ajuda da física (mecânica e ótica) e a segunda com a ajuda da química.
O cinema, que surgiu com a seqüência de fotografias, só se desenvolveu após a descoberta da eletricidade. O filme é o produto de seqüências onde o uso da eletricidade é indispensável – rodagem e projeção – intercalada pelo processo químico da revelação do filme, produto da invenção da fotografia [...].

Deduzimos a partir do relato acima, que a fotografia foi pensada a partir da necessidade de se controlar os meios técnicos de se fixar as imagens num suporte, e o controle propriamente dito dessas imagens; reforçado por MAUAD (sem data) em seu texto “Fotografia e história”.
Várias são as definições de fotografia na literatura afim. Para LIMA (1988), existem duas origens que são:

[...] a primeira vem da Grécia, é usada nos países ocidentais, e surgiu na França (foto=luz, grafia=escrita). Através desse nome a fotografia é a arte de escrever com a luz, o que a define com uma escrita. A segunda forma é de origem oriental. No Japão fotografia se diz sha-shin, quer dizer reflexo da realidade. Por essa origem é uma forma de expressão visual.
Essa dualidade, já no nome, remete com facilidade a sua dupla condição de linguagem e forma de expressão visual [...].

Se por um lado ela é a arte de escrever com a luz (escrita), e por outro uma forma de
expressão visual, é imperioso que aprendamos a entender essa linguagem iconográfica; pois, como diz LIMA (1988),

[...] uma das razões de a fotografia não transmitir para o leitor todas as informações
nelas contida seria o não aprendizado de sua leitura. Na verdade, um texto escrito não pode ser considerado como uma linguagem em si; é apenas um processo que sua leitura desencadeia no intelecto do leitor que os transforma em linguagem. No caso da fotografia há a necessidade de falar de linguagem de imagem. Um analfabeto não lê o texto de um jornal mas pode ler parte do que existe em imagens [...].

Por se tratar de um tipo de linguagem, essa expressão requer uma alfabetização. A forma como uma pessoa comum (aquela que não é alfabetizada imageticamente) vê uma fotografia é bem diferente daquela que conhece essa linguagem. Aquela simplesmente vê as cores, a beleza e a luz; enquanto esta vê muito além do que a imagem mostra: os detalhes técnicos e os sentimentos estampados e colocados na imagem; além de um completo entendimento sintático.


Foto nº. 1 (museu do trem - Paranapiacaba, 1990)

Um bom começo para essa alfabetização seria treinar os olhos a ver; começando a prestar atenção aos mínimos detalhes que nos cercam; observar tudo e a todos. Um detalhe que passa despercebido aos nossos olhos pode se tornar uma bela imagem vista pelo olho de
uma câmera; como observamos no livro “O prazer de fotografar” pelos editores da Eastman Kodak Company (1980): “ Você precisa treinar o olho a ver o mundo como a câmera”.
A fotografia número (1) acima mostra muito mais do que um monte de ferro entrelaçado, amarrado, trançado uns aos outros; dentre outras coisas, ela mostra no pequeno
recorte a beleza desse tipo de construção; as marcas de um tempo passado, onde ainda se usavam correntes; por exemplo.
Treinar os olhos a perceber a luz; o que ocorre quando ela é refletida; sua variação durante um dia inteiro; o comportamento do cenário com muita luz e pouca luz, ou nenhuma.

Quanto mais você vê muito mais você descobre. É o seu olhar contemplativo e aguçado que lhe ajudará na conquista desta linguagem.
DOEFFINGER (1984) enfatiza a necessidade de olhar várias vezes uma cena e faz uma comparação interessante do nosso olhar perceptivo com uma calculadora; diz ele:
[...] to see a scene you might think you need only look at it. But it’s not that simple. One scene can be viewed in many ways, and if you look at it in only one way, you miss a great deal. By developing and refining the ways you look at a scene, you can increase your perceptiveness and the number of photographs you take. You might compare how you look at a scene with how a calculator functions. Let’s say the chairs, rocks, windows – the basic units of a scene – are numbers. If you see them in only one way, you function only in the add mode. But if you see them in several ways, you function like an advanced calculator. You add, subtract, divide, multiply, and perform trigonometric function. Faced with the same basic units you can do much more with them if you vary your way of seeing […];

[…] see not only the objects, but the relationships. Look at parts of objects, at relationships between parts of objects […].
Foto nº. 2 (construção civil – Santo André, 1990)

Sabemos que esta questão de alfabetização em linguagem visual é bastante complexa; pois está alicerçada no domínio de variáveis múltiplas, e, esse domínio, não tem outra forma de consegui-lo senão através do conhecimento de tudo aquilo que é intrínseco à imagem.
Segundo MAUAD (sem data), “A fotografia é uma fonte histórica”, “As imagens são
históricas”. A partir de seu surgimento ela passou a registrar, a contar a história: as primeiras fotos das ruas de Paris; famílias inteiras foram perpetuadas em quadros fotográficos; a Revolução Industrial; a queda da Bolsa de New York; as duas guerras mundiais; os eventos esportivos, políticos e culturais; as mudanças no espaço geográfico; as grandes catástrofes; o

primeiro presidente negro norte-americano; o onze de setembro, enfim, todo o acréscimo ocorrido na história. E, é neste cenário que a fotografia se consolidou de vez; principalmente quando passou a fazer parte do documento pessoal, reforçando o seu contexto documental de prova como relata MAUAD (sem data):
[...] a fotografia foi usada como prova infalsificável. No plano do controle social a imagem fotográfica foi associada a identificação passando a figurar, desde o início do século XX, em identidades, passaportes e os mais diferentes tipos de carteiras de reconhecimento social. No âmbito privado, através do retrato de família, a fotografia também serviu de prova [...].

Foi com o desenvolvimento técnico da indústria fotográfica que a fotografia foi popularizada; e passou a não mais ser privilégio de poucos, como acrescenta MAUAD (sem data):
[...] com o desenvolvimento da indústria ótica e química, ainda no final do século XIX, ocorreu uma estandardização dos produtos fotográficos e uma compactação das câmeras, possibilitando uma ampliação do número de profissionais e usuários da fotografia. No início do século XX, já era possível contar com as indústrias fotográficas do tipo Kodak e a máxima da fotografia: “Você aperta o botão e nós fazemos o resto” [...].
Foto nº. 3 (colheita de arroz – Culturama-MS, 1982)

Deste momento em diante, a fotografia experimentou uma evolução muito rápida;
tanto no processo químico quanto no quesito equipamentos. O retrato cotidiano passou a ser
rotina, e a história se enriqueceu assustadoramente com novas imagens.

Hoje, a fotografia passa por um momento de transição que vai marcá-la como um divisor de águas. E esse momento é marcado pela forma de captação da imagem.
É a “fotografia digital”. “Fotografia digital”? O que é isto? Será que isto existe?
Antes de responder a estes questionamentos, é importante lembrar como se dá o processo de obtenção de alguns tipos de imagens, pelo menos os principais. O desenho, a pintura, a escultura e a fotografia são processos manuais, artesanais de se produzir imagens. No caso específico da fotografia, segundo LIMA (1988), conta ainda com a parceria da física (mecânica e ótica) e da química.
Como fotografia significa, foto=luz e grafia=escrita, ou seja, escrever com a luz, este processo só acontece depois que a luz entrou pela objetiva de uma câmera (mecânica ou analógica) atravessou a cortina do obturador e impressionou o filme no fundo da câmera. Ou ainda; a luz refletida por um objeto, pessoa, animal ou cenário qualquer é captada por um equipamento mecânico (analógico) e inside, através de um conjunto de lentes (objetiva = olho da câmera) um conglomerado de produtos químicos (o filme, ou emulsão) a base de cristais de prata, formando a imagem negativa.
Observando estes detalhes fica fácil de responder aos questionamentos acima: não existe, nem existirá “fotografia digital”. O que é digital é a forma como se capta a luz refletida: através de um equipamento totalmente eletrônico, com visor (tela) a base de cristal líquido. Neste equipamento, a imagem captada é armazenada diretamente num cartão de memória e pode ser transmitida para outras mídias imediatamente à sua obtenção; além da possibilidade de visualização instantaneamente na tela de cristal líquido (LCD). Portanto, chamamos essa imagem de digital; não de “fotografia digital”. Reforçando que o que é digital é o equipamento: câmera digital, como ilustrado na foto nº. 4 da Revista Fotografe (2004).
Esta grande revolução técnica na área das imagens pode colocar em arquivo morto os processos químicos das chapas e filmes fotográficos, ou seja, essa etapa da fotografia; o filme e seu processamento seguido da ampliação da imagem no papel, não terá mais sentido; a não ser em raríssimas ocasiões. Graças a esse avanço tecnológico, os equipamentos atuais captam as imagens que são imediatamente transferidas para um micro-computador e podem sofrer diversos tipos de ajustes e correções. Ainda, podem ser transmitidas via internet para qualquer lugar do globo conectado.
A revista Fotografe (2004) traz uma reportagem interessante do Jornal “O Globo”, (RJ) setor de jornalismo, mostrando o momento de transição dos equipamentos analógicos para os digitais. Observamos alguns pontos em comum com o exposto acima. O artigo traz:

[...] e a economia foi comprovada, comparada a conta antiga. A manutenção da processadora de negativos e dos scaners, mais as despesas com químicos para revelação pesavam no orçamento [...];

[...] o processo químico de revelação foi substituído pelo laboratório digital, e a foto agora precisa ser corrigida para ser um produto bem acabado [...];

[...] Márcia Folleto, 18 anos de fotografia, 12 como fotógrafa de O Globo, tinha uma dúvida que a inquietava durante os primeiros contatos com a câmera digital: o medo de a imagem deixar de existir concretamente. “O cromo e o negativo existem fisicamente. A foto digital é uma porção de pixels. Era difícil de entender. Mas logo percebi que era uma bobagem. Você pode passar para o computador, gravar em CD e imprimir em papel” diz.
A mudança para o digital não alterou o modo de operar a câmera [...];

[...] apesar da mudança da tecnologia, a expectativa final da imagem é a mesma]...].


Foto nº. 4 (câmera analogia / câmera digital)

Câmera analógica e câmera digital. Duas diferentes formas de captação de imagens.

Muitas são as vantagens dessa evolução. Destacamos em particular a questão econômica, pois, com a eliminação do processo químico ela se torna cada vez mais popular. “Eu não preciso mais comprar nem revelar o filme; nem ampliar as fotos; posso guardá-las na memória do meu computador, num cartão de memória, numa “pen-drive”, ou ainda num disco ótico (CD) e transportar para qualquer lugar”. Um outro ponto a destacar é a velocidade com que se obtém a imagem final, e a possibilidade de transmiti-la a qualquer lugar, imediatamente após a sua obtenção.
Jamais podemos dizer que essa nova maneira de captar imagens não será superada. Essa previsão só a tecnologia pode consumar, e esta, avança na contemporaneidade do tempo, de acordo com as necessidades, ou para solucionar supostos problemas; ou ainda, apenas pelo fato de continuar esta saga humana: o desenvolvimento científico e tecnológico de todos os campos do conhecimento.
MAUAD (sem data) relacionando a fotografia com a história diz que:
[...] desde a sua descoberta até os dias de hoje, a fotografia vem acompanhando o mundo contemporâneo, registrando sua história em uma linguagem de imagem. Uma história múltipla feita de grandes e pequenos eventos, de personalidades mundiais e de gente anônima, de lugares distantes e exóticos e da intimidade doméstica, das sensibilidades coletivas e das ideologias oficiais [...].

Contudo, lembramos uma das definições de fotografia por LIMA (1988): “A fotografia é composição”.
“Minha composição esta ligada a visão que tenho do mundo: das coisas, das pessoas, dos lugares, dos animais; e também do meu conhecimento e sentimento em relação a isto tudo”. Impregnado desse conhecimento e desse sentimento, o fotógrafo com seu equipamento em punho, se vê diante de um turbilhão de possibilidades e escolha: escolha do ângulo, da luz, da perspectiva, dos diversos contrastes, do recorte, do assunto, dentre outros; e externa no botão de disparo o sentimento momentâneo; que MAUAD (sem data) resume: “Há que se considerar a fotografia como uma determinada escolha realizada num conjunto de escolhas
possíveis”. Essa escolha finalizada no “clic”é composição.
Fotografia e história; aquela, o registro imagético que se torna esta no contar do tempo.

História da família Santos

Foto nº. 5 (álbum de família)



_________________________
Acima no centro: Mamãe e papai.
Abaixo à esquerda: Eu, mamãe com a irmã mais nova (na época) e a irmã mais velha.
Abaixo à direita: Uma prima com seu irmão, eu, papai e minha irmã à frente.


História da família Miranda Santos


Foto nº. 6 (álbum de família)



___________________
Acima à esquerda: minha esposa.
Acima à direita: Eu.
Abaixo: nosso filho



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


DOEFFINGER, Derek. The Art of Seeing. New York: Kodak Publication, 1984. 96p.

GRANATIERI, Fabrizia. Como é um Jornal 100% digital. Fotografe Melhor, n. 91, p. 42-50, abril 2004.

KUBRUSLY, Ana Maria (trad.). O Prazer de Fotografar. São Paulo: Abril Cultural, 1980. 302p.

LIMA, Ivan. A Fotografia é a sua Linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988. 120p.

MAUAD, Ana Maria. Fotografia e História. (sem data)

SANTOS, Valdecir R. dos. Ferragem de trem. 1990. 1 fotografia, p&b.

SANTOS, Valdecir R. dos. Construção Civil: preparação da laje. 1990.1 fotografia, p&b.

SANTOS, Valdecir R. dos. Colheita de arroz. 1982. 1 fotografia, cor.

Revista Fotografe melhor. Câmera Analógica e Digital. 2004.

[sem autor]. História da Família Santos. 2000. 3 fotografias, p&b.

SANTOS, Valdecir R. dos. História da Família Miranda Santos. 2010. 3 fotografias, 1 p&b.


-> Andrieli Pachú da Silva - 2º Arquivologia
A fotografia, após seu surgimento, gerou grandes polemicas em torno do meio artístico, referentes ao seus tipos de uso e função. Por sua qualidade em reproduzir a realidade com tamanha precisão, diferente da pintura, abriu uma nova forma de produção artística para ambas, onde a fotografia passa a ser vista como uma representação fidedigna do real, e a pintura passa a ser um modo de expressão, onde a tela passa a ser o lugar onde o pintor pode liberar sua criatividade, sem compromisso algum de representar somente o real.
Porém a fotografia, apesar do que pensava a população daquela época, até o século XX, é uma prova que possa ser falsificada, assim o seu poder de autenticidade se perde, por várias questões. A primeira abordada pela autora é a questão bidimensional, onde a fotografia não pode abordar todas as características da coisa que foi fotografada, outra questão é que entre um leque de escolhas, a fotografia é apenas um recorte, que está ligado a visão daquele que possui a câmera fotográfica.
“Depois de feita uma foto nada será como antes. O que no processo faz diferença é a mediação estabelecida entre sujeitos que a visualizam, que a interpretam, que a captam, estabelecendo uma assim seu princípio intertextual.” Podemos ver, que para a compreensão da fotografia, não existe um modelo a ser seguido, pois depende dos sujeitos que a vêem, assim cada sujeito possui um olhar sobre a situação.
A fotografia também é vista como uma fonte histórica, pois faz parte do dia-a-dia das pessoas, registrando eventos mundiais ao nascimento de um novo integrante da família anônima, desse modo “Não importa se o registro fotográfico foi feito para documentar um fato ou representar um estilo de vida, o testemunho é valido.” Assim, sua imagem serve tanto como documento, informando aspectos determinados, ou como monumento, simbolizando algo que foi estabelecido para durar no futuro, informando e moldando uma visão de mundo.
Por ser considerado um texto visual, ela é composta por autor, o texto em si e o leitor. O autor é o fotógrafo, profissional ou não, o texto é a técnica e a estética escolhida pelo auto e o conjunto de informações que compõem a imagem, o leitor é aquele que irá olhar a imagem, e pressupõe um entendimento do que significa essa representação.
Nessa questão do leitor se encaixa o historiador, que tem de lidar com a leitura da fotografia, que traz em seu suporte o recorte de uma determinada época e sociedade, pois para tais, essa imagem era uma memória presente, porém agora em outra época o historiador tem que analisar de tal forma que pense como se estivesse inserido naquela sociedade e não com o olhar que temos hoje, um trabalho difícil de se fazer, pois fotografia não fala.